sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Mais um pouco do nosso esporte...

Texto de André Lucena pro site da Aquática Paulista.

André Lucena

Afinal de contas, o que significa “master”? O dicionário lista: professor, autoridade, pessoa de talento indiscutível, dominante, superlativo, etc. Nenhuma das definições, entretanto, é totalmente adequada ao contexto da expressão “esporte master”. Em que pese alguns esportistas master serem realmente indiscutíveis mestres em suas disciplinas, o atual espírito do esporte master não exige maestria de seus praticantes. Esportistas master são, em síntese, pessoas que já passaram da idade em que atingiram (ou atingiriam) seu máximo rendimento, e se organizam para continuar competindo com pessoas de idade similar. Na falta de uma palavra melhor (em inglês, “senior” define pessoas acima de 60 anos, “veterans” é usado para heróis de guerra), acabou ficando “master” mesmo.
Esporte de “veteranos” (aqui no sentido de “experiente”), aparentemente sempre existiu. Mas não foi antes dos anos 70 que o esporte master começou a se organizar e crescer em todo o mundo. Praticamente TODOS os esportes existentes no mundo são também praticados de forma competitiva por masters. A maioria se organiza em associações locais, nacionais, continentais e mundiais, realizando campeonatos em todos estes níveis, incluindo mundiais, e a cada 4 anos, se reúnem numa grande “olimpíada” englobando 26 esportes: os Jogos Mundiais Master, organizados pela IMGA (World Masters Games Association).

Dentre os esportes master, a natação é um dos mais populares, atuantes e organizados do mundo. A nível mundial, a natação master é, desde 1986, também gerida pela FINA, o órgão máximo de todos os esportes aquáticos no mundo, com sede na Suíça. Mas as origens da natação master atual remontam ao ano de 1970, quando o primeiro campeonato nacional foi realizado nos Estados Unidos.

Para ser considerado um nadador(a) master num determinado ano, uma pessoa tem que ter pelo menos 25 anos incompletos, ou seja, completar 25 até o último dia daquele ano. Nadadores master competem em faixas de idade (categorias) definidas a cada 5 anos: 24 a 29, 30 a 34, 35 a 39, 40 a 44, 45 a 49...etc., sendo a última faixa para qualquer idade acima de 100 anos. No Brasil, com o intuito de incentivar o ingresso no universo master, foi criada uma “faixa de acesso”, também chamada de pré-master, que vai de 19 a 23 anos, mas que competem de forma paralela, sem influenciar os resultados dos masters.

As pessoas que não são ligadas à natação master costumam associá-la a competições de septuagenários e octagenários. É compreensível que os meios de comunicação, ao documentar um evento master, vejam nas imagens de velhinhos competindo um assunto mais atraente para seus leitores ou espectadores. São sem dúvida motivos de orgulho para o esporte. Mas muitas vezes deixam de citar performances incrivelmente competitivas que ocorrem principalmente nas categorias mais jovens, dando uma imagem parcial e equivocada no universo do esporte.

O programa da natação master inclui provas de 50, 100 e 200 metros para cada um dos 4 estilos, 400 livre, 200 medley e finalmente 100 medley, 400 medley, 800 e 1500 metros (estas últimas dependendo da disponibilidade de piscina curta ou longa). São portanto 14 provas fixas e 4 circunstanciais. Os revezamentos master permitem grande interação entre os atletas, pois as categorias de idade são definidas pela SOMA das idades dos 4 participantes, o que permite que jovens e idosos possam participar de um mesmo time. Além disso, revezamentos mixtos (2 homens e 2 mulheres) são realizados, provas exclusivas da natação master. São 6 revezamentos, todos em 4 x 50 (masculino livre e medley, feminino livre e medley, mixto livre e medley) nas categorias 100 a 119, 120 a 159, 160 a 199, 200 a 239, 240 a 279...etc., sendo a última faixa para qualquer soma de idades acima de 320 anos. Ultimamente, provas de Águas Abertas vem fazendo parte dos programas das principais competições mundiais, um tendência que tende a se fortalecer com a recente inclusão das maratonas aquáticas no programa dos Jogos Olímpicos de Verão. Para se ter uma idéia da dimensão de um evento master a nível mundial, nos últimos Jogos Mundiais, realizados em 2005 em Edmonton, Canadá, foram realizadas 32 provas individuais (incluindo masculino e feminino), 6 revezamentos, e 6 provas de Águas Abertas (1.000, 2.000 e 3.000 m para homens e mulheres). Com uma média de 12 categorias por prova individual e 6 categorias por revezamento, foram realizadas 492 provas em todo o evento. No Mundial de Riccione, Itália, em 2004, uma única prova masculina foi balizada em mais de 100 séries de 10 atletas.

O mais importante evento da natação master no mundo é o Campeonato Mundial da FINA, realizado a cada 2 anos desde 1986. Antes disso, 2 campeonatos mundiais já haviam sido realizados (1978 e 1984), mas ainda sob a direção da MSI (Masters Swimming International), o primeiro órgão a organizar a natação master antes da FINA. Além da natação, pólo-aquático. saltos e nado sincronizado são disputados.


1978 – Toronto, CAN
1984 – Christchurch, NZL
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1986 – Tokyo, JAP
1988 – Brisbane, AUS
1990 – Rio de Janeiro, BRA
1992 – Indianapolis, USA
1994 – Montreal, CAN
1996 – Sheffield, ENG
1998 – Casablanca, MOR
2000 – Munich, GER
2002 – Christchurch, NZL
2004 – Riccione, ITA
2006 – Stanford, USAAlém de realizar o Campeonato Mundial, a FINA organiza as tabelas de recordes mundiais e publica um ranking mundial anual.

O segundo mais importante evento são os Jogos Mundiais Master, organizados pela IMGA (World Masters Games Association), e realizados a cada 4 anos, desde 1985. Os JMM englobam 26 esportes, sendo a natação um deles.

1985 – Toronto, CAN
1989 - Herning/Aalborg/Aarhus, DEN
1994 – Brisbane, AUS
1998 – Portland, USA
2002 – Melbourne, AUS
2005 – Edmonton, CAN
2009 – Sydney, AUS

O nível técnico da natação master competitiva no mundo é incrivelmente alto, mesmo para os padrões absolutos. Os recordes mundiais das faixas mais jovens não estão distantes dos absolutos. Atletas acima de 50 ou 60 anos fazem tempos inacreditáveis. Os americanos dominam o esporte no mundo, mas o Brasil tem enorme tradição na natação master mundial, com inúmeros títulos e recordes mundiais, sempre levando equipes competitivas para eventos internacionais. Os americanos Jim McConnica e Karlyn Pipes-Nielsen são os grandes nomes da natação master mundial, detendo cada um por volta de 15 recordes mundiais, em várias provas e categorias de idade. Os maiores nomes da natação master brasileira no momento são os medalhistas olímpicos Cyro Delgado e Djan Madruga (faixa 45 a 49) e Maria Lenk, única brasileira a integrar o Hall da Fama da Natação Mundial (faixa 90 a 95), os 3 também recordistas mundiais.

Todos os atletas master que participam de competições internacionais arcam com todas as suas despesas.

No Brasil, a natação master começou nos anos 80 no Rio de Janeiro, e experimentou grande impulso após a realização do mundial de 1990 no Rio de Janeiro. Hoje é organizada pela ABMN, com sede no Rio de Janeiro, contando com cerca de 5.000 associados em todo o país. A ABMN é bastante atuante, promovendo 2 campeonatos nacionais (piscina longa) e 2 Copas Nacionais (piscina curta) por ano, além de organizar tabelas de recordes e rankings nacionais. Pelo menos 15 estados tem associações de natação master locais, promovendo diversos eventos e circuitos durante o ano.

A nível continental, os campeonatos sul-americanos são realizados anualmente (alternando piscina curta e longa) desde 1993, e organizados pela CONSANAT. Além destes, o All Américas, reuniu atletas de todas as 3 Américas e os 5 esportes aquáticos másteres

As competições master são, além de um evento competitivo, um agradável encontro social. Democrático como é, o esporte permite a interação de jovens e velhos, homens e mulheres de diferentes objetivos e níveis técnicos. Os jovens têm oportunidade de se inspirar nos exemplos de vida proporcionados pelos idosos que optam por uma vida ativa e saudável, enquanto os mais jovens inspiram os mais velhos com suas performances competitivas. A filosofia da natação master é a de colocar o convívio acima da competitividade, permitindo que atletas de qualquer nível técnico participem das competições. Não é necessário ser um “mestre” do passado para ser um master. Na verdade, é comum atletas master que começaram no esporte após os 50 ou 60 anos. Isso democratiza o esporte, aumentando o acesso e popularizando a modalidade.

Mas nem todos concordam que esta democratização só traz benefícios. Ao permitir qualquer performance nas provas, os eventos têm se alongado de forma demasiada, com atletas nitidamente sem nível competitivo atrasando o andamento do programa de provas. Até o momento, isso é um problema sem solução, já que qualquer providência (como o estabelecimento de índices mínimos para cada prova e categoria) acarretaria o fim da acessibilidade ao esporte por um grande número de praticantes. Seria uma solução que geraria um mal maior. Isso não impede que os campeonatos brasileiros tenham ultimamente perdido a presença da maioria de suas estrelas, insatisfeitas com o andamento das competições, que preferiam competir em eventos mais ágeis e de melhor nível técnico.


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André Lucena (andre.lucena@yahoo.ca) é atleta master, atualmente reside no Canadá, e foi campeão brasileiro, sul-americano e vice-campeão dos Jogos Mundiais.

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