Aumentar a carga de exercícios ou o volume de treinamentos faz parte da rotina de atletas e esportistas. Enquanto uns querem alcançar o alto rendimento, outros se preocupam com a estética e com o culto ao corpo. Mas a ansiedade pelo resultado faz com que as modificações no treinamento associadas ao pouco descanso levem o indivíduo a apresentar sintomas de overeaching, diagnosticado pelo aumento da frequência cardíaca em repouso, sudorese aumentada (suor frio), insônia e irritabilidade, além de outros sintomas detectados por exames clínicos. Caso isso aconteça, o atleta deve diminuir a intensidade e a carga de treino para que não se agrave, alcançando o overtraining, quadro de lesão, quando a única alternativa é parar a atividade.
Caso comum nos consultórios médicos, o overeaching não deve ser encarado como um pesadelo, mas sim como um alerta do corpo, que envia sinais por estar trabalhando acima do próprio limite. No entanto, uma das dificuldades para diagnosticar o problema é que, muitas vezes, as pessoas omitem os sintomas. “O atleta muitas vezes não quer reconhecer que a situação está ocorrendo. Às vezes demora para procurar ajuda e quando vem já está em overtraining”, explica o fisiologista do exercício, Renato André Silva. “No praticante de exercício físico, é mais fácil medir os sintomas, porque ele treina menos e descansa mais”, completa.
De acordo com o especialista, muitos praticantes sentem os sintomas, sabem que precisam de ajuda, mas em busca da perfeição, continuam o desgaste. “O praticante deixa os sintomas de lado por conta da busca incessante pela estética e acaba desrespeitando os avisos que o corpo dá”, explica. A insistência diante de sinais claros de que o corpo está sobrecarregado pode resultar em complicações, como futuras lesões e até o abandono da atividade. “Quando o corpo adoece pelo estresse contínuo, é preciso ajuda médica, pois o organismo acaba enviando algum efeito patológico. Esse excesso de exercício é gerado pelo pouco descanso e o excesso de carga”, explica o fisiologista do exercício, Guilherme Molina.
Viciado em corrida, Valcides Araújo foi vítima do overtraining. Ele admite que, antes de sofrer uma lesão na perna direita, resultado do intenso ritmo de treinamento, sentiu os sintomas do overeaching. “Tinha insônia e vivia irritado”, afirma.
Tudo isso porque em menos de um ano o treinamento de Valcides se resumia a correr 100km por semana, de domingo a domingo, além de trabalhar. A dedicação extrema gerou desgaste físico e não o ajudou em relação aos tempos na corrida, que giram em torno de 1h43min nas provas de meia-maratona. “Esse volume não ajudou em nada nos meus tempos.” O que, para os especialistas, é natural. “Se não dosar, acaba fazendo sem benefício nenhum e entrando em overtraining. Não há evolução”, explica Keila Fontana, fisiologista do esporte.
Diagnóstico fácil
Uma das formas de diagnóstico do overeaching é por meio da frequência cardíaca em repouso(1). Se depois de 12 a 20 horas do término das atividades os batimentos ainda estiverem elevados, a pessoa apresenta claros sinais de que há alterações biológicas. “Isso acontece por causa do estresse da sessão (de exercícios) anterior. Significa que não recuperou e se a pessoa fizer esforço no outro dia, a tendência é ir acumulando e deprimindo o organismo”, explica Guilherme Molina, fisiologista do exercício.
Além da frequência cardíaca, Molina adverte para outros sintomas, entre eles alterações no tubo digestivo, podendo ocasionar diarreia ou prisão de ventre. Em outros casos, a pessoa pode apresentar deficit de memória a curto prazo, como por exemplo, não conseguir memorizar um número de telefone — indício, segundo ele, de que o organismo está em estresse contínuo.
1 - Como aferir os batimentos
Em repouso — sentado ou deitado —, o indivíduo (homem ou mulher) deve encontrar um ponto cardíaco, seja no pescoço, próximo à garganta, ou no pulso. Depois de localizado, conte, em 15 segundos, o número de batimentos. Em seguida, multiplique por quatro. A frequência deve variar entre 70 e 100bpm (batimentos por minuto). Acima de 100bpm, já está num estágio de overeaching.
Repouso por 90 dias
No consultório, o médico logo diagnosticou que Valcides Araújo estava em overtraining. A receita foi simples: parar por 90 dias. Depois de deixar o corpo descansar, o assessor parlamentar voltou às atividades, em dezembro do ano passado. O ritmo, é claro, mudou. “Faltou o entendimento com o corpo, que precisa descansar para assimilar o que você treina. Não dava esse espaço. Não dei esse tempo, que era necessário”, reconhece.
Os treinos, agora, somam 40km por semana, assistidos pelo técnico Rodrigo Albuquerque, com intervalos e descanso entre um ensaio e outro. “Agora estou num ritmo que posso chamar de normal”, ressalta. E é justamente o acompanhamento de um profissional que pode evitar esses sintomas. “Normalmente quando está bem assistido, o atleta começa a diminuir a intensidade. O trabalho de um técnico é importante”, analisa Keila Fontana. Mas ainda assim, o corredor admite que, até hoje, sente os reflexos do exagero presentes no organismo. “Vez ou outra, sinto o joelho. É tudo consequência do overtraining”, explica.
Também movida pela endorfina e pela busca incessante por resultados, Miriam de França Moreira abandonou o triatlo depois de um período de intenso desgaste. Depois de competir pela primeira vez um ironman, em março, ela enfrentou mais três provas em sete meses. Apesar de não ter procurado ajuda médica, a servidora pública entende que chegou no limite do seu desgaste, tanto físico como emocional. “Senti um desgaste físico, emocional e psicológico muito grande. Quando chegou em outubro (penúltima competição) estava louca para acabar com tudo”, relembra. “Esse ano não quero mexer com triatlo. Vou fazer só duas maratonas”, garante a atleta, que retorna, aos poucos, ao ritmo de treinamento.
Apesar de não ter se lesionado, Miriam admite que faltou descanso na rotina de treinamentos. Afinal, ela treinava cinco horas por dia, trabalhava sete e ainda arrumava tempo para a academia. “Com certeza, faltou repouso. O atleta de elite descansa depois do almoço, tem a massagem, volta para treinar. A gente que é amador, faz por prazer e não tem tempo para conciliar tudo”, compara.
Fonte: http://swim.com.br/noticias.php?id=48068